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Com 55% do eleitorado feminino, Câmara Municipal do Rio de Janeiro apresenta apenas 11 vereadoras

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Violência política e barreiras estruturais estão entre os principais motivos de afastamento das mulheres em cargos políticos


Por João Vinícius Rodrigues e Maria Bourgeois


Falatório e desinteresse marcam plenária presidida por Tânia Bastos (Republicanos). Foto: Maria Bourgeois


Mesmo com a maioria do eleitorado feminino, a presença de mulheres na Câmara Municipal do Rio de Janeiro ainda é baixa. De acordo com a cientista política Beatriz Rodrigues Sanchez, doutora em institucionalização dos movimentos feministas no poder Legislativo, entre os principais fatores para a sub-representatividade estão questões culturais, como a violência política de gênero e o assédio moral. 


A rotina na Câmara Municipal do Rio de Janeiro é marcada por discussões sem debate e gritarias. Diariamente, a falta de respeito se manifesta de maneira sucinta, o falatório sobrepõe os discursos no palanque enquanto vereadores se reúnem para articular entre pares. Com as mulheres, a falta de respeito durante as sessões parlamentares é mais evidente. Durante os discursos das vereadoras, o falatório é ainda maior e o pedido de silêncio aos demais parlamentares precisa ser constante, sobretudo quando solicitado por Tânia Bastos (Republicanos) durante as sessões presididas por ela. A violência verbal e o assédio moral, como episódios de gritaria e xingamentos, são frequentes. 


A vereadora Mônica Cunha (PSOL) confirma esse cenário e afirma que a maior dificuldade é a coalizão com outros vereadores. Em entrevista, a vereadora alega que casos de desrespeito entre membros de bancadas opostas é frequente, sobretudo no debate entre pautas contraditórias entre os diferentes grupos. Para Tainá de Paula (PT), a misoginia e o racismo estão presentes na Câmara e acontecem com frequência, mesmo quando não são abertamente agressivos. 


— Estas ações muitas vezes são explícitas, violentas. Acontecem com agressões verbais e até físicas, que por sorte nunca sofri nesse espaço — lamenta.


O conservadorismo político também atua de maneira muito pertinente neste cenário, quando muitas mulheres vêem as medidas de cotas como ações que ‘privilegiam’ as candidaturas femininas. Há uma falta de entendimento sobre o problema, sobretudo entre a bancada feminina conservadora, bem como a impopularidade do feminismo entre o eleitorado, que impulsiona esse pensamento.


A "Cultura do Cuidado" 


Outro aspecto cultural marcante para a sub-representatividade é a forma que a sociedade aprende o que é ser uma mulher. A “Cultura do Cuidado” imposta sobre o feminino as coloca no lugar de cuidadora familiar, obrigando mulheres a decidir entre uma carreira profissional, a maternidade ou o cuidado de parentes e familiares. Em forma de resistência a essa circunstância, a vereadora Thais Ferreira foi a primeira a liderar uma  sessão com filho no colo, em março deste ano.


A ocasião levantou uma discussão sobre a ocupação maternal em cargos públicos. Durante a sessão, o deputado estadual Rodrigo Amorim realizou gravações de Thais amamentando o filho Bem, na época com apenas oito meses, sem autorização de uso de imagem da criança. A equipe da vereadora solicitou o apagamento das imagens e pediu apoio da Câmara Municipal, porém a presidência da Câmara negou o pedido.


Mônica Benício, vereadora filiada ao PSOL, comenta o caso e afirma que inicialmente a Câmara Municipal não foi um espaço pensado para acolher mulheres.


— É uma Casa que não tinha fraldário e que o banheiro das vereadoras fica do lado de fora. Não foi imaginado para que as mulheres ocupassem aqueles espaços. Mas agora as mulheres estão ocupando e serão mães dentro do plenário também, diferente dos homens que largam os cuidados das crianças. Numa sociedade que terceiriza o cuidado, inclusive com a própria mulher, as vereadoras não vão ter esse tipo de prática. Inclusive, é um direito feminino não ter que optar entre participar da construção política ou abrir mão de fazer a educação do seu filho — comenta.


A sub-representatividade em dados


De acordo com o levantamento de dados de abril deste ano feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representam mais de dois milhões e setecentas mil eleitores. Esse  número equivale a aproximadamente 55% do eleitorado apenas no município Rio de Janeiro. No entanto, essa maioria não reflete de forma equitativa nas instâncias do poder público. Das 51 cadeiras disponíveis para vereadores na Câmara Municipal carioca, apenas 11 são ocupadas por mulheres.


Os dados revelam uma lacuna na atuação da Justiça Eleitoral em promover a igualdade de gênero. Apesar das diversas iniciativas para fomentar a participação política feminina, os números observados na capital fluminense ecoam, em maior ou menor grau, por todo o país. Um fator nessa deficiência estrutural é a prática de maquiagem de nominatas durante as eleições. De acordo com a legislação, os partidos são obrigados a reservar no mínimo 30% das candidaturas para mulheres e a destinar a mesma proporção de fundo eleitoral para financiar e promover essas candidaturas femininas. Contudo, muitos partidos exploram brechas no sistema eleitoral para cumprir essas regras de maneira fraudulenta, lançando candidatas "laranjas" — aquelas que existem apenas no papel, não recebem financiamento de campanha nem têm presença efetiva no partido.


Além disso, as candidaturas femininas que conseguem ser pleiteadas muitas vezes enfrentam dificuldades para conquistar influência política dentro de seus próprios partidos. Essa falta de reconhecimento interno reflete na alocação inadequada de fundos eleitorais, principalmente devido à interpretação da Emenda Constitucional 117 (originária da PEC 18/21). A emenda assegura os 30% do fundo eleitoral para a promoção de candidaturas femininas, permitindo que esse repasse seja feito para chapas em que mulheres ocupem a vice-candidatura e possibilitando que os partidos desviem os recursos destinados à representação feminina para candidaturas de protagonismo masculino.


A cientista política Beatriz Rodrigues Sanchez, que pesquisa a representação feminina na política nacional, avalia o cenário atual como precário: “A baixa representatividade não está relacionada a uma preferência do eleitorado aos homens, e sim de barreiras estruturais. O financiamento é um gargalo, se não tem verba, como a candidatura é visível ao eleitorado?”


Evolução ao longo dos anos


Apesar do avanço modesto, a participação feminina tem demonstrado uma evolução ao longo dos anos. Durante as eleições municipais que configuraram a composição da câmara de vereadores entre 2012 e 2016, apenas 8 mulheres foram eleitas para ocupar assentos no plenário. Nos pleitos subsequentes, abrangendo o período de 2016 a 2020, esse número total diminuiu para 7 vereadoras. No entanto, houve um leve aumento no número de mulheres reeleitas, passando de 5 na legislatura anterior para 6. 


O cientista político, Ricardo Ismael, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, comenta de forma otimista o crescimento da representação feminina na Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CMRJ):


— A questão da presença de mulheres na CMRJ tem ganhado destaque nas últimas eleições. Atualmente, das 51 vagas, 11 são ocupadas por mulheres, o que corresponde a 21% do total. É evidente que alguns grupos historicamente sub-representados – como mulheres, pessoas trans e a população negra – começam a ter uma influência maior na questão do voto, especialmente as mulheres. Não é por acaso que, no PSOL, 4 das 6 cadeiras são ocupadas por mulheres. No PT, há uma distribuição igualitária com 2 mulheres e 2 homens, e o mesmo ocorre com os republicanos. Observa-se uma tendência de mais mulheres candidatas, o que pode aumentar a representação feminina nas próximas eleições.


Na atual configuração, estabelecida em 2020, o número de mulheres eleitas saltou para 11 vereadoras. O crescimento excepcional na última composição do pleito é em parte atribuído à crescente influência das candidaturas femininas após o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson em 2017, um ataque político que gerou grande comoção e mobilização em prol da representatividade e dos direitos das mulheres na política.


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