Por Pedro Soares
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Waldir Brazão discursando na Câmara do Rio; o vereador é autor de pelo menos dois projetos de lei que buscam regularizar construções em áreas controladas por milícias
Um cruzamento de dados feito a partir dos mapas apresentados pelos projetos e o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, elaborado numa parceria entre o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Instituto Fogo Cruzado, constata que ao menos oito projetos de instituição de Áreas de Especial Interesse Social se referem a regiões em que esses grupos são atuantes.
São esses os casos dos projetos 2164/2023, do vereador Celso Costa (Republicanos); do projeto 1996/2020, do vereador Zico (Republicanos) — esse projeto é idêntico ao projeto 1935/2020, apresentado pelo vereador Rocal (PSD); do projeto 2084/2023, do vereador Waldir Brazão (sem partido); do projeto 1356/2022, do vereador Welington Dias (PDT); o projeto 1460/2022, do vereador Waldir Brazão (sem partido); do projeto 1500/2022, de coautoria dos vereadores João Mendes de Jesus (Republicanos), Welington Dias (PDT) e Rocal (PSD); e do projeto 0217/2021, de coautoria dos vereadores João Mendes de Jesus (Republicanos) e Welington Dias (PDT). Todos esses projetos se referem a áreas localizadas na Zona Oeste do Rio.
As Áreas de Especial Interesse Social são regiões da cidade com regras urbanísticas especiais devido a suas singularidades no processo de formação. O urbanista Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), explica que o processo que levou enfim à instituição das AEIS começou em 1990, com a elaboração da Lei Orgânica do Município. “Os primeiros levantamentos aerofotogramétricos da malha urbana do Rio reproduziam mapas da cidade onde as favelas nunca apareciam. Há 40 anos, essas áreas eram manchas brancas, depois passaram a ter os nomes das comunidades e apenas bem recentemente elas passaram a incorporar de fato a malha urbana da cidade do Rio de Janeiro”. Ao ser reconhecida como uma AEIS, uma comunidade ganha prioridade no processo de regularização fundiária e a possibilidade de receber investimentos públicos para a urbanização de favelas.
Segundo o coordenador do Geni-UFF, Daniel Hirata, as milícias têm preferência por empreendimentos imobiliários porque isso faz parte do modelo de negócios desses grupos desde a virada do século, calcado na produção de cidades. Para o pesquisador, a maior parte dos empreendimentos imobiliários da milícia se concentra na Zona Oeste porque “a Zona Oeste é uma espécie de fronteira urbana, é para onde a cidade pode crescer”. O setor imobiliário é particularmente importante pelo fato de abranger muitas atividades, que vão desde o loteamento de terras e construção até a provisão de serviços como saneamento básico e fornecimento de luz e gás. Hirata afirma que esse modelo possibilitou que as milícias conseguissem rivalizar e até superar as facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas como o grupo armado com a maior extensão do controle territorial no município do Rio de Janeiro.
Daniel Hirata ressalta a importância não só da presença do Estado na regulação do mercado imobiliário em áreas controladas por milícias, como também uma efetiva mediação pública. “Muitas vezes há a presença estatal, mas de forma promíscua, conivente, quando não uma participação direta em favor das milícias”, diz. “O caso Marielle Franco, por exemplo, deixou bastante claro que havia toda uma preocupação em flexibilizar as leis de regularização de terras para que as milícias pudessem atuar de forma mais intensa em alguns espaços. Então essa relação entre crime e política é fundamental porque ela permite que esse modelo de negócios funcione de forma mais aceita. Não exatamente contra a lei, mas por dentro da lei, e isso garante que os negócios possam se expandir nesses espaços”.
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