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  • Com 55% do eleitorado feminino, Câmara Municipal do Rio de Janeiro apresenta apenas 11 vereadoras

    Violência política e barreiras estruturais estão entre os principais motivos de afastamento das mulheres em cargos políticos Por João Vinícius Rodrigues e Maria Bourgeois Falatório e desinteresse marcam plenária presidida por Tânia Bastos (Republicanos). Foto: Maria Bourgeois Mesmo com a maioria do eleitorado feminino, a presença de mulheres na Câmara Municipal do Rio de Janeiro ainda é baixa. De acordo com a cientista política Beatriz Rodrigues Sanchez, doutora em institucionalização dos movimentos feministas no poder Legislativo, entre os principais fatores para a sub-representatividade estão questões culturais, como a violência política de gênero e o assédio moral. A rotina na Câmara Municipal do Rio de Janeiro é marcada por discussões sem debate e gritarias. Diariamente, a falta de respeito se manifesta de maneira sucinta, o falatório sobrepõe os discursos no palanque enquanto vereadores se reúnem para articular entre pares. Com as mulheres, a falta de respeito durante as sessões parlamentares é mais evidente. Durante os discursos das vereadoras, o falatório é ainda maior e o pedido de silêncio aos demais parlamentares precisa ser constante, sobretudo quando solicitado por Tânia Bastos (Republicanos) durante as sessões presididas por ela. A violência verbal e o assédio moral, como episódios de gritaria e xingamentos, são frequentes. A vereadora Mônica Cunha (PSOL) confirma esse cenário e afirma que a maior dificuldade é a coalizão com outros vereadores. Em entrevista, a vereadora alega que casos de desrespeito entre membros de bancadas opostas é frequente, sobretudo no debate entre pautas contraditórias entre os diferentes grupos. Para Tainá de Paula (PT), a misoginia e o racismo estão presentes na Câmara e acontecem com frequência, mesmo quando não são abertamente agressivos. — Estas ações muitas vezes são explícitas, violentas. Acontecem com agressões verbais e até físicas, que por sorte nunca sofri nesse espaço — lamenta. O conservadorismo político também atua de maneira muito pertinente neste cenário, quando muitas mulheres vêem as medidas de cotas como ações que ‘privilegiam’ as candidaturas femininas. Há uma falta de entendimento sobre o problema, sobretudo entre a bancada feminina conservadora, bem como a impopularidade do feminismo entre o eleitorado, que impulsiona esse pensamento. A "Cultura do Cuidado" Outro aspecto cultural marcante para a sub-representatividade é a forma que a sociedade aprende o que é ser uma mulher. A “Cultura do Cuidado” imposta sobre o feminino as coloca no lugar de cuidadora familiar, obrigando mulheres a decidir entre uma carreira profissional, a maternidade ou o cuidado de parentes e familiares. Em forma de resistência a essa circunstância, a vereadora Thais Ferreira foi a primeira a liderar uma  sessão com filho no colo, em março deste ano. A ocasião levantou uma discussão sobre a ocupação maternal em cargos públicos. Durante a sessão, o deputado estadual Rodrigo Amorim realizou gravações de Thais amamentando o filho Bem, na época com apenas oito meses, sem autorização de uso de imagem da criança. A equipe da vereadora solicitou o apagamento das imagens e pediu apoio da Câmara Municipal, porém a presidência da Câmara negou o pedido. Mônica Benício, vereadora filiada ao PSOL, comenta o caso e afirma que inicialmente a Câmara Municipal não foi um espaço pensado para acolher mulheres. — É uma Casa que não tinha fraldário e que o banheiro das vereadoras fica do lado de fora. Não foi imaginado para que as mulheres ocupassem aqueles espaços. Mas agora as mulheres estão ocupando e serão mães dentro do plenário também, diferente dos homens que largam os cuidados das crianças. Numa sociedade que terceiriza o cuidado, inclusive com a própria mulher, as vereadoras não vão ter esse tipo de prática. Inclusive, é um direito feminino não ter que optar entre participar da construção política ou abrir mão de fazer a educação do seu filho — comenta. A sub-representatividade em dados De acordo com o levantamento de dados de abril deste ano feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representam mais de dois milhões e setecentas mil eleitores. Esse  número equivale a aproximadamente 55% do eleitorado apenas no município Rio de Janeiro. No entanto, essa maioria não reflete de forma equitativa nas instâncias do poder público. Das 51 cadeiras disponíveis para vereadores na Câmara Municipal carioca, apenas 11 são ocupadas por mulheres. Os dados revelam uma lacuna na atuação da Justiça Eleitoral em promover a igualdade de gênero. Apesar das diversas iniciativas para fomentar a participação política feminina, os números observados na capital fluminense ecoam, em maior ou menor grau, por todo o país. Um fator nessa deficiência estrutural é a prática de maquiagem de nominatas durante as eleições. De acordo com a legislação, os partidos são obrigados a reservar no mínimo 30% das candidaturas para mulheres e a destinar a mesma proporção de fundo eleitoral para financiar e promover essas candidaturas femininas. Contudo, muitos partidos exploram brechas no sistema eleitoral para cumprir essas regras de maneira fraudulenta, lançando candidatas "laranjas" — aquelas que existem apenas no papel, não recebem financiamento de campanha nem têm presença efetiva no partido. Além disso, as candidaturas femininas que conseguem ser pleiteadas muitas vezes enfrentam dificuldades para conquistar influência política dentro de seus próprios partidos. Essa falta de reconhecimento interno reflete na alocação inadequada de fundos eleitorais, principalmente devido à interpretação da Emenda Constitucional 117 (originária da PEC 18/21). A emenda assegura os 30% do fundo eleitoral para a promoção de candidaturas femininas, permitindo que esse repasse seja feito para chapas em que mulheres ocupem a vice-candidatura e possibilitando que os partidos desviem os recursos destinados à representação feminina para candidaturas de protagonismo masculino. A cientista política Beatriz Rodrigues Sanchez, que pesquisa a representação feminina na política nacional, avalia o cenário atual como precário: “A baixa representatividade não está relacionada a uma preferência do eleitorado aos homens, e sim de barreiras estruturais. O financiamento é um gargalo, se não tem verba, como a candidatura é visível ao eleitorado?” Evolução ao longo dos anos Apesar do avanço modesto, a participação feminina tem demonstrado uma evolução ao longo dos anos. Durante as eleições municipais que configuraram a composição da câmara de vereadores entre 2012 e 2016, apenas 8 mulheres foram eleitas para ocupar assentos no plenário. Nos pleitos subsequentes, abrangendo o período de 2016 a 2020, esse número total diminuiu para 7 vereadoras. No entanto, houve um leve aumento no número de mulheres reeleitas, passando de 5 na legislatura anterior para 6. O cientista político, Ricardo Ismael, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, comenta de forma otimista o crescimento da representação feminina na Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CMRJ): — A questão da presença de mulheres na CMRJ tem ganhado destaque nas últimas eleições. Atualmente, das 51 vagas, 11 são ocupadas por mulheres, o que corresponde a 21% do total. É evidente que alguns grupos historicamente sub-representados – como mulheres, pessoas trans e a população negra – começam a ter uma influência maior na questão do voto, especialmente as mulheres. Não é por acaso que, no PSOL, 4 das 6 cadeiras são ocupadas por mulheres. No PT, há uma distribuição igualitária com 2 mulheres e 2 homens, e o mesmo ocorre com os republicanos. Observa-se uma tendência de mais mulheres candidatas, o que pode aumentar a representação feminina nas próximas eleições. Na atual configuração, estabelecida em 2020, o número de mulheres eleitas saltou para 11 vereadoras. O crescimento excepcional na última composição do pleito é em parte atribuído à crescente influência das candidaturas femininas após o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson em 2017, um ataque político que gerou grande comoção e mobilização em prol da representatividade e dos direitos das mulheres na política.

  • Do palanque à urna: o desinteresse generalizado pelo legislativo carioca

    Por Vereadores em Foco Vereadores na Câmara Municipal do Rio em sessão plenária no dia 23 de maio. Foto: Maria Carolina Cassella No dia 6 de outubro, mais de 5 milhões de eleitores cariocas vão escolher os próximos ocupantes das 51 cadeiras da Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro. Entre o eleitorado, as mulheres representam mais de 2,7 milhões de eleitores, número equivalente a aproximadamente 55% do colégio eleitoral. O cientista político Ricardo Ismael, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, disse que uma parte do eleitorado deixa para escolher o seu candidato no final da campanha, em uma conversa, no trabalho, na família. Para Ismael, a questão programática e ideológica tem peso, mas o eleitorado busca “pessoalizar o voto”, votando em partidos porque tem programas com que eles se identificam. No entanto, na grande maioria dos vereadores, é difícil saber qual seria o seu programa e sua ideologia. “O problema não é escolher o representante. O ideal seria se informar, ver a história e a trajetória do candidato, as ideias que ele pretende levar caso seja eleito. Assim, teria-se uma representação política. Nesse caso, a sociedade deveria, na hora de votar para vereador, ter uma preocupação de escolher alguém que pudesse, de fato, exercer essa representação na Câmara”, explicou Ismael. Despachante de luxo O médico Paulo Pinheiro (PSOL/RJ), que está em seu quinto mandato na Câmara Municipal, lamenta que parte do eleitorado entenda a figura do vereador como um “despachante de luxo”. A própria atuação de alguns vereadores reforça essa ideia. Muitos deles utilizam as redes sociais para mostrar participações em obras públicas, como o asfaltamento ou a iluminação das ruas, o que não é parte do seu trabalho de legislar e fiscalizar o Executivo municipal. Na cultura política brasileira, segundo o professor da PUC, há uma sobrevalorização do poder executivo. Para ele, o que interessa ao eleitorado é a escolha dos nomes para a prefeitura, para o governo estadual e para o presidente da República. “Há uma desvalorização do papel legislativo por desinformação”, afirmou Ismael. Nas sessões plenárias, fica evidente o desinteresse dos parlamentares durante a fala de opositores. No dia 23 de maio, as propostas do dia foram apresentadas, mas acabaram ignoradas por grande parte dos vereadores. Nem mesmo uma homenagem póstuma ao ex-vereador Célio Lupparelli (PSD), morto três dias antes, mereceu a atenção dos parlamentares. A ausência de um debate produtivo é comum e, na maioria das vezes, há um descaso com os projetos de lei apresentados. Ex-vereadora defende voto consciente De acordo com a ex-vereadora e ex-procuradora geral do município Sonia Rabello, deveria haver maior debate em cada projeto apresentado, mesmo que o número total de leis aprovadas fosse menor. Ela afirmou que o voto consciente, embora muito distante da realidade, seria importante para garantir que os vereadores cumpram seus mandatos e mantenham o compromisso de caráter legislativo. “Cada parlamentar, em sua legislatura, devia ter um limite máximo de projetos de lei. O que precisamos é o debate, e não de filas e filas de projetos sem consistência”, destacou a ex-vereadora. Em audiências públicas, paradoxalmente, a participação popular nas galerias é ínfima. Poucas pessoas se fazem presentes nas sessões da Câmara. Somente as pautas mais polêmicas atraem um público maior para acompanhar o andamento dos projetos em curso. Um exemplo é o projeto de cassação das medalhas Pedro Ernesto dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, pelo envolvimento deles no assassinato de Marielle Franco. Apesar de protestos de pessoas presentes na sessão, vários vereadores presentes optaram por não participar da votação, impedindo que as honrarias fossem revogadas. No dia 11 de junho, a vereadora Mônica Benício (PSOL/RJ) conseguiu a cassação da medalha depois de sete votações. A Câmara Municipal se tornou um local de distância entre os representantes e o povo carioca. A maioria da população desconhece as pautas que lá são discutidas e não entendem, com clareza, as funções atribuídas aos vereadores. O cientista político Ricardo Ismael alegou que, embora a Câmara Municipal do Rio de Janeiro tenha feito um esforço para a “cidadania ativa”, esse ainda é um problema. “O que seria interessante é que as diferentes comissões, que são imensas em quantidade, ganhassem um peso maior na dinâmica legislativa. Seria um espaço para envolver a sociedade, envolver discussões, inclusive, com pesquisadores. Seria um espaço de fiscalização da política pública educacional, de saúde, de transporte público. Poderia ter ali, de fato, um ambiente mais dinâmico e que mostrasse que a função fiscalizadora da Câmara, em relação à prefeitura e às políticas públicas municipais, pode ser exercida. De certa maneira, é no pós eleitoral que as demandas sociais podem se apresentar. É claro que a Câmara deveria estar fazendo uma conversa com a sociedade e verificar o que a prefeitura pretende fazer, questionar e acompanhar isso” – afirmou o professor da PUC-Rio. Por fim, a vereadora Monica Cunha, do PSOL, comentou que a maioria dos vereadores pouco se preocupa com determinadas minorias, como as mulheres e os negors. Analogamente, os parlamentares que incluem esses grupos em suas pautas, com frequência, não conseguem formar coalizões com os outros vereadores. Diante disso, o voto consciente de eleitores em parlamentares cujas propostas estejam bem definidas é fundamental para um cenário produtivo na Câmara Municipal. “Eles se preocupam com tudo: bicho, patrimônio e vender a cidade. Pouco com o ser humano”, disse a vereadora. Nesta edição, o site Vereadores em Foco faz uma análise da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e de suas particularidades. Cada reportagem procurou expor determinada característica relacionada aos vereadores e de que modo o cenário influencia a sociedade atual.

  • Pelo menos oito Projetos de Lei apresentados na atual legislatura da Câmara Municipal do Rio buscam regularizar construções em áreas de milícias

    Por Pedro Soares Waldir Brazão discursando na Câmara do Rio; o vereador é autor de pelo menos dois projetos de lei que buscam regularizar construções em áreas controladas por milícias Um cruzamento de dados feito a partir dos mapas apresentados pelos projetos e o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, elaborado numa parceria entre o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Instituto Fogo Cruzado, constata que ao menos oito projetos de instituição de Áreas de Especial Interesse Social se referem a regiões em que esses grupos são atuantes. São esses os casos dos projetos 2164/2023, do vereador Celso Costa (Republicanos); do projeto 1996/2020, do vereador Zico (Republicanos) — esse projeto é idêntico ao projeto 1935/2020, apresentado pelo vereador Rocal (PSD); do projeto 2084/2023, do vereador Waldir Brazão (sem partido); do projeto 1356/2022, do vereador Welington Dias (PDT); o projeto 1460/2022, do vereador Waldir Brazão (sem partido); do projeto 1500/2022, de coautoria dos vereadores João Mendes de Jesus (Republicanos), Welington Dias (PDT) e Rocal (PSD); e do projeto 0217/2021, de coautoria dos vereadores João Mendes de Jesus (Republicanos) e Welington Dias (PDT). Todos esses projetos se referem a áreas localizadas na Zona Oeste do Rio. As Áreas de Especial Interesse Social são regiões da cidade com regras urbanísticas especiais devido a suas singularidades no processo de formação. O urbanista Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), explica que o processo que levou enfim à instituição das AEIS começou em 1990, com a elaboração da Lei Orgânica do Município. “Os primeiros levantamentos aerofotogramétricos da malha urbana do Rio reproduziam mapas da cidade onde as favelas nunca apareciam. Há 40 anos, essas áreas eram manchas brancas, depois passaram a ter os nomes das comunidades e apenas bem recentemente elas passaram a incorporar de fato a malha urbana da cidade do Rio de Janeiro”. Ao ser reconhecida como uma AEIS, uma comunidade ganha prioridade no processo de regularização fundiária e a possibilidade de receber investimentos públicos para a urbanização de favelas. Segundo o coordenador do Geni-UFF, Daniel Hirata, as milícias têm preferência por empreendimentos imobiliários porque isso faz parte do modelo de negócios desses grupos desde a virada do século, calcado na produção de cidades. Para o pesquisador, a maior parte dos empreendimentos imobiliários da milícia se concentra na Zona Oeste porque “a Zona Oeste é uma espécie de fronteira urbana, é para onde a cidade pode crescer”. O setor imobiliário é particularmente importante pelo fato de abranger muitas atividades, que vão desde o loteamento de terras e construção até a provisão de serviços como saneamento básico e fornecimento de luz e gás. Hirata afirma que esse modelo possibilitou que as milícias conseguissem rivalizar e até superar as facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas como o grupo armado com a maior extensão do controle territorial no município do Rio de Janeiro. Daniel Hirata ressalta a importância não só da presença do Estado na regulação do mercado imobiliário em áreas controladas por milícias, como também uma efetiva mediação pública. “Muitas vezes há a presença estatal, mas de forma promíscua, conivente, quando não uma participação direta em favor das milícias”, diz. “O caso Marielle Franco, por exemplo, deixou bastante claro que havia toda uma preocupação em flexibilizar as leis de regularização de terras para que as milícias pudessem atuar de forma mais intensa em alguns espaços. Então essa relação entre crime e política é fundamental porque ela permite que esse modelo de negócios funcione de forma mais aceita. Não exatamente contra a lei, mas por dentro da lei, e isso garante que os negócios possam se expandir nesses espaços”.

  • De forma inédita, Rio inclui as favelas no Novo Plano Diretor

    Lei de planejamento urbano da cidade gera discussões sociais e urbanas, em relação às comunidades Por Gabriel Machado e Pedro Luiz Meireles Favela da Rocinha na Zona Sul do Rio. Foto: Ana Tonelli Pela primeira vez na história, o Plano Diretor do Rio de Janeiro incluiu as favelas como parte do planejamento urbano da cidade. O projeto traz um capítulo inteiro dedicado às favelas, destaca suas particularidades e prevê ações específicas para o desenvolvimento dessas comunidades. Aprovado na Câmara dos Vereadores e sancionado pelo prefeito Eduardo Paes, após dois anos de discussões, o texto reconhece as favelas como unidades essenciais do tecido urbano e social. Em planos anteriores, essas áreas eram definidas a partir das precariedades. O plano define as regras de uso e ocupação do solo pelos próximos dez anos. Rafael Aloisio de Freitas, vereador do PSD, disse que com o novo plano, as favelas passam a ter um gabarito, o que define o tamanho máximo das construções, além de um artigo que faz a prefeitura ficar à disposição para prestar assessoria técnica no projeto. O vereador ressaltou as mudanças na arquitetura e no planejamento urbanístico das favelas, como a definição do uso comercial, residencial e industrial. - Colocamos as favelas agora claramente dentro do projeto. Tem um dispositivo que dá a chance da prefeitura fazer essa assessoria para que os projetos comecem a ser feitos de uma forma mais organizada. Então, a ideia com as favelas foi essa, organizar tanto nas estruturas comerciais, como nas residenciais. Pegamos um capítulo também para destinar para turismo, para os eventos que estão acontecendo na cidade. Apesar da nova lei trazer um avanço na discussão urbana e social do estado, ao reconhecer as favelas por suas qualidades, riquezas e diversidades, a inclusão desses espaços ainda é um ponto que gera debates entre os grupos políticos da Câmara Municipal.  Monica Benício, vereadora do PSOL,  disse que perderam a oportunidade de fazer um debate sério, pois não foi a Câmara Municipal que discutiu sobre o Plano Diretor. - O que a gente conseguiu, em especial, na questão das favelas, foi o mínimo do mínimo. As conversas não aconteciam no Plenário, aconteciam na Sala Inglesa. As emendas estavam sendo discutidas pelo secretário com a caneta, dizendo ‘isso não tem condição de votar, isso pode debater, mas vai derrotar. Isso aqui pode votar favorável’. Foi assim que o Plano Diretor foi desenhado. LEI ANTIQUADA Rafael Aloisio explicou que a Câmara conseguiu revogar a legislação de 1976, que era antiquada, e agora se tem uma lei mais atual. O presidente da Comissão Especial do Plano Diretor, acredita que foi dado um capítulo grande para as favelas e os principais temas foram abordados. - A gente conseguiu deixar um pouco mais organizado com relação às estruturas que vão ser construídas ou colocadas nos próximos anos. Então, a ideia da comissão qual é? Pegar o texto, olhar a cada parte e verificar se essas mudanças que a gente promoveu, se elas vão ser cumpridas e se não for a gente cobrar na Prefeitura as ações para que seja. Se tiver alguma margem para mudança, a gente vai apresentar os projetos até o final do ano para que se tornem leis e vamos mudar. Monica Benício afirmou que o debate de favela foi triturado pelo Plano Diretor, ao colocar na balança o que foi debatido e o que foi descartado. De acordo com ela, alguns pontos relacionados às favelas, foram adicionados ao Plano Diretor de forma meramente ilustrativa, sem capacidade de serem aplicados. - Essa questão em especial, da favela, desses territórios mais marginalizados, o debate foi feito assim: ‘Vamos fazer para dizer que fizemos’. Inclusive, com um escopo que começava meio esquisito. A gente apresentava um monte de emenda, construídas com os movimentos sociais, que eram para atender o que essas pessoas estavam dizendo. Aí olhavam em especial as áreas de interesse da milícia, e diziam assim ‘isso é problema por dez anos’. Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, traz uma visão mais técnica sobre o assunto e entende que o Plano Diretor tem alguns problemas, mas no geral é um avanço para o estado. Segundo ele, o positivo deste plano é ser auto-aplicável, já que algumas das legislações estão embutidas no corpo da lei. A parte negativa é que alguns pontos precisavam ser melhor esclarecidos, como as áreas de proteção à ambiência cultural, e as questões relacionadas aos projetos de estruturação urbana. Em relação à inclusão das favelas, o presidente da CAU/RJ disse que isso é resultado da evolução que vem acontecendo há muitos anos. Sydnei explicou que nos primeiros mapas da cidade do Rio de Janeiro, as favelas eram identificadas como um espaço em branco. Apesar de ver esse movimento como uma evolução, o arquiteto entende que não se pode parar por aí e é necessário programas e políticas para que o resultado seja visto na prática. - O que o plano de hoje faz é um reconhecimento e um passo maior nessa direção, porque ele determina melhorias e projetos urbanos, ambientais e habitacionais. Agora os problemas precisam ser enfrentados, visando a busca de soluções. O que precisa acontecer é a elaboração de planos e programas de projetos de urbanização dessas áreas faveladas e implementação de obras para executá-los. Porque faz o plano, não implanta, e quando implanta não faz acompanhamento permanente. Isso é jogar dinheiro público fora e ficar assistindo de braços cruzados a favelização e o empobrecimento do território municipal. Chico Alencar, deputado federal pelo PSOL/RJ, elaborou o Plano Diretor de 1990 e chegou a participar das discussões do plano atual, antes de assumir como deputado. Ele explicou que já durante esses debates, a atenção social, assim como a ambiental, estava com um grau de prevalência ou, pelo menos, de importância muito grande. - Eu imagino que tudo isso tenha se refletido no Plano Diretor. Mas ele não é a maravilha das maravilhas, não. Porque a melhor das hipóteses é conciliar o interesse de grupos econômicos na cidade, nos negócios da cidade, da terra, dos empreendimentos, dos espaços de lazer. Isso é forte. O desafio do Brasil é baixar a lei do papel e da intenção escrita pra vida real com políticas públicas. Alguém já disse que no Brasil, cumprir a lei seria revolucionário! Emanuel Alencar, ambientalista e jornalista, comentou que no final a lei é razoável, apesar de ser contraditória. De acordo com ele,  é uma briga que vai além do texto, da revisão, no plano diretor. Emanuel disse que tem avanços, mas também tem muitos pontos preocupantes. - O fato da favela entrar parece interessante, mas a gente vê o que aconteceu no Alemão, com o teleférico, o governador Cláudio de Castro ainda, agora, tentando reativar os teleféricos. Mas será que a prioridade já era o teleférico? Ou se a favela decidisse pelas soluções, talvez fosse um elemento básico o que tinha sido priorizado lá atrás, e chegássemos agora em condições de botar o teleférico, já com o esgoto tratado da favela.

  • Polêmicas marcam entregas da medalha Pedro Ernesto e do título de cidadão honorário do Rio de Janeiro. Como as maiores honrarias da cidade perderam credibilidade?

    Por João Pedro Alkmim A vereadora Mônica Benicio (PSOL-RJ) precisou de sete sessões plenárias até conseguir aprovar, na Câmara Municipal do Rio, no dia 11 de junho, a cassação das medalhas Pedro Ernesto concedidas aos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão , em razão do envolvimento de ambos na morte da ex-vereadora Marielle Franco. A iniciativa da viúva de Marielle, que só vingou depois de muita insistência, foi mais um episódio polêmico envolvendo as medalhas Pedro Ernesto, principal honraria dada pela Câmara, mas que nos últimos tempos virou motivo de críticas e reprovações por homenagear figuras de reputação duvidosa. Em 2006 , o cartunista Jaguar devolveu a medalha que recebera do vereador Chico Alencar (PSOL-RJ) por não querer dividir a honraria com Roberto Jefferson. O então deputado tinha acabado de se envolver no escandalo do mensalão , mas foi homenageado pela vereadora Christiane Brasil , que é também sua filha. O caso também rendeu acusações de nepotismo. Neta de Pedro Ernesto reclama A psicóloga Maria Helena Mossé , neta do ex-prefeito Pedro Ernesto , não concorda com o rumo que a medalha que o homenageia tomou. Na visão dela a honraria passou a ser entregue por interesses políticos e não com o intuito de realmente premiar pessoas que fizeram algo pela cidade do Rio de Janeiro. Ela acredita que é necessário um maior rigor nas escolhas para a medalha não perder completamente o sentido. Davi Perini Vermelho , o Didê , também está na lista das homenagens polêmicas. Ele preso em 2020 acusado de fazer parte de uma quadrilha responsável por fraude na compra de 200 respiradores no valor de R$30 milhões para o governo de Santa Catarina. Na primeira fase da Operação Oxigênio a Policia Federal apreendeu R$300 mil em sua casa no bairro de Vargem Grande , na zona oeste do Rio de Janeiro. Davi Perini Vermelho é também acusado de exploração ilegal de venda de gás e TV a Cabo. Seu patrimônio não tinha nada declarado em 2012 e saltou para R$120 mil em 2016 , o que levanta suspeitas de enriquecimento ilicito. O nome de Davi Perini Vermelho  voltou ao noticiário porque na última sexta-feira o vereador Marcos Braz sugeriu premia-lo com a medalha Pedro Ernesto. Diferente da maioria dos casos a proposta para Didê receber a medalha não contou com nenhuma justificativa especial mas por contar com apoio de grande quantidade de vereadores deve ser aprovada. Atila Nunes , Celso Costa , João Ricardo , Jair da Mendes Gomes , Junior da Lucinha , Luiz Ramos Filho , Marcelo Arar , Marcelo Diniz , Matheus Gabriel , Prof. Célio Lupparelli , Rocal , Ulisses Martins , Waldir Brazão , Wellington Dias , Willian Coelho e Zico apoiam o projeto. Depois de ser solto , Didê foi reeleito vereador de São João de Meriti com mais de 5000 votos (o mais votado da cidade) e voltou a assumir a presidência da Camara dos vereadores , cargo que ocupava antes de ser preso. Em 2022 ele foi indicado pelo governador Claudio Castro a presidência do Instituto Rio Metropole e teve seu nome aprovado por 20 dos 22 prefeitos da região metropolitana para ser o responsável por executar decisões tomadas pelo Conselho deliberativo. Influência politica da família Reis Vitor Hugo é visto nos bastidores como um fortissimo aliado da familia Reis e ocupava o cargo de subsecretário da cidade de Duque de Caxias desde 2017 , quando foi nomeado pelo prefeito eleito Washington Reis. Nos últimos anos (desde 2023) premiou o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira e o deputado estadual Rosenverg Reis com títulos de cidadão honorário. Os dois são irmãos de seu padrinho politico. Vitor foi eleito vereador do Rio de Janeiro em 2020 , sendo o menos votado dos eleitos e único representante do MDB na camara. Segundo Gutemberg , em postagem no facebook , ele é um “representante da familia Reis na cidade maravilhosa”. Polêmica internacional No dia 3 de abril de 2024 , André Lajst recebeu a medalha Pedro Ernesto por promover a educação sobre Israel e combate ao antissemitismo. A escolha foi considerada , no mínimo controversa , pois Lajst é presidente da ONG Stand With Us , que vem recebendo muitas criticas pelo apoio incondicional que dá ao governo de Israel , mesmo em meio as acusações de genocidio na Faixa de Gaza. Nas palavras do jornalista Leandro Demori: “(a Stand With Us) é uma organização de direita reacionária liderada no país por André Lajst , que a imprensa compra como um “cientista politico” mas que na verdade é apenas um propagandista das ideias da direita extremista”. Ele também questiona o financiamento dessa ONG. A homenagem foi sugerida pela vereadora Teresa Bergher , que já esteve no centro de outras polemicas envolvendo o tema. Em 2018 criticou o jornalista Milton Temer o acusando de antissemitismo por criticas ao estado de Israel. Ele rebateu a chamando de “nazi-sionista” , o que motivou um processo por parte de Teresa. Esses casos geram grande contestação sobre a utilização das maiores honrarias do municipio carioca para interesses pessoais. De que maneira a medalha Pedro Ernesto e o título de cidadão honorario deixaram de ser usadas para premiar pessoas que realmente fizeram por merecer e mais pessoas controversas e que acabam gerando mais polemicas que qualquer outra coisa.

  • Vereadores cariocas associam imagens a obras públicas na cidade para conquistar eleitores

    Os chamados “prefeitinhos” extrapolam as funções parlamentares e usam redes sociais para mostrar presença em projetos de caráter do Executivo. Por Felipe Mitidieri, Klara Argento e Marcelo Nunis Vereador Ulisses Marins em asfaltamento na Zona Norte do Rio. Foto: Ulisses Marins/Reprodução Em ano de eleições, aumentam os casos de parlamentares que divulgam nas redes sociais conteúdos que mostram participações em obras públicas. Um exemplo ocorreu com o vereador Ulisses Marins, do Partido União. Ele fez postagens em que aparecia atuando em melhoramentos urbanos nos bairros  de Brás de Pina, Penha e Jardim América, na Zona Norte. Essa situação representa uma atuação indevida na esfera do Executivo com o objetivo de angariar votos e aumentar a popularidade. A inauguração em abril do Parque Camorim, na Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, que pertence ao Programa Morar Carioca, também caracteriza o fenômeno crescente de utilização das redes sociais por políticos para manter o poder de influência local. O presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Carlo Caiado, do PSD, esteve presente no evento de inauguração, assim como outros parlamentares do mesmo partido. Caiado veiculou em redes sociais um discurso no qual elogia as obras e, além disso, acrescentou comentários de agradecimentos por parte de moradores da região. Nesse sentido, a midiatização dessas ações para a autopromoção transportou a política contemporânea a um novo cenário. A partir dessa ótica, muitos vereadores extrapolam os papéis do Legislativo e passam a atuar diretamente em questões do Executivo. A maioria desses casos é representada por frequentes participações em obras públicas. A pavimentação e a iluminação de ruas, por exemplo, são algumas das ações em que os chamados “vereadores prefeitinhos” mostram-se fortemente presentes. Com isso, muitos adotam esse caráter assistencialista, principalmente em zonas mais carentes da cidade, com o objetivo de aumentar a aprovação, como a situação de Caiado. A cientista política Alessandra Maia comentou que os “prefeitinhos” também procuram atuar em regiões em que conseguiram um maior número de votos, para reforçar seu protagonismo. Conteúdo das postagens Os “prefeitinhos”, em grande parte das obras, vestem coletes, com slogans de referência própria. Além disso, assessores parlamentares realizam filmagens para passar a mensagem de que foram os próprios vereadores que atuaram nas obras. Em alguns vídeos, inclusive, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, está presente, como uma forma de demonstrar uma suposta parceria nas obras entre o parlamentar e o prefeito. Nas redes sociais, foram muito frequentes as postagens para construções de creches e escolas, e o asfaltamento de ruas e avenidas. - Em lugares onde o poder aquisitivo é muito baixo, existe uma oferta de políticas públicas que deveriam ser universalizadas. A pintura de escolas ou o asfaltamento de ruas, por exemplo, deveria acontecer de forma igual em toda a cidade, mas muitas vezes o vereador vai se comprometer a conseguir determinada obra para algum lugar que votou nele. Além disso, ele tenta negociar no Legislativo para que sejam aprovadas ações que vão de encontro ao que a sociedade deseja. Mas, quando não há recursos suficientes para todos os bairros, os vereadores representam alguma demanda específica. O vereador Carlo Caiado, do PSD, ressalta que o dever de um parlamentar é mudar a vida da população através do trabalho. Para isso, ele cita algumas políticas públicas, como o sistema de transporte do BRT. Neste nicho, destacam-se as compras de novos ônibus, a reforma das estações, a construção de terminais e o novo modelo de bilhetagem que foram submetidos à aprovação da Câmara. Além disso, a fiscalização de obras, que é dever dos vereadores, é utilizada para se destacar nas redes sociais e conseguir, por meio do seu eleitorado, mais votos e longevidade política. Efeito das redes sociais Desde que assumiu a presidência da Câmara dos Vereadores em 2021, Caiado implementou um novo canal de comunicação mais atualizado à população carioca e, assim, tornou público os acontecimentos da Casa Legislativa da cidade. As sessões e os boletins informativos diários das decisões tomadas pelo parlamento são transmitidos ao vivo. Nas redes sociais, ele divulga as agendas do seu dia a dia e vê esse instrumento de trabalho uma forma eficaz de que o cidadão conheça o seu desempenho. Com isso, o uso das redes sociais para autopromoção é contínuo. A internet, hoje em dia, tem o poder de alcance jamais visto e, para ser ainda mais eficaz, exige uma boa dicção e falas simples e objetivas. Esses são os principais mecanismos para conquistar as visualizações desejadas e garantir reconhecimento na área de atuação. Os acontecimentos têm um poder maior no ambiente virtual, tanto para o aspecto positivo, quanto para o negativo. Neste caso, os vereadores aumentam o eleitorado por meio de vídeos postados. Desse modo, as publicações nas redes permitem uma aproximação entre o político e o eleitor. De acordo com o vereador Rafael Aloisio Freitas, também do PSD, a prefeitura não atua em alguns lugares específicos da cidade e, por isso, é importante que o vereador esteja atento às demandas do bairro. Então, o parlamentar, por meio de requerimento ao prefeito, solicita uma obra ou uma reforma em determinada localidade. Em obras em escolas, por exemplo, é preciso que se faça uma licitação. No caso de demandas rotineiras, como bueiros entupidos, reparos em encostas e sinalizações de vias, o requerimento ocorre por ofícios. Além disso, com frequência, há consultas em órgãos responsáveis, como a Comlurb, a Rio Águas e a CET-Rio. Desinformação populacional A interferência dos vereadores em obras públicas é potencializada pela desinformação da população a respeito dos papéis dos vereadores. A ignorância política por parte do povo abre margem para propagandas e campanhas eleitorais enganosas que visam a apenas a autopromoção dos candidatos. Nessa ótica, muitos cidadãos inclusive desconhecem suas opções de voto e tornam-se completamente alienados às funções dos vereadores na Câmara Municipal. Por fim, o fenômeno também é agravado pela ampla dimensão espacial e social da cidade. O Rio de Janeiro, por ser muito grande geograficamente e por abrigar milhões de habitantes em diferentes condições, é dividido em subprefeituras. Muitas vezes, as delimitações são administradas por vereadores de confiança da prefeitura. Essas administrações, enquadradas no poder executivo, não correspondem às funções originais dos vereadores e, não raro, contribuem para a formação dos “prefeitinhos”.

  • Conservadorismo acima da saúde da mulher

    Projeto para atendimento sensibilizado em casos de aborto legal é rejeitado por aversão ao tema Por Ana Tonelli e Luiz Eduardo de Castro Assessoras se manifestam em sessão do dia 1° de março. Foto: Câmara/Reprodução O voto conservador derrubou, em março, na Câmara Municipal do Rio, o PL 16/2017, apresentado pela então vereadora Marielle Franco (PSOL) para garantir o atendimento humanizado nos casos de aborto legal na cidade do Rio de Janeiro. Embora as mulheres tenham desde 1940, o direito de interromper a gravidez em casos decorrentes de estupro, quando há risco de vida e anencefalia fetal, o argumento não foi suficiente para superar o estigma e o tabu que cercam o tema. O ex-assessor de Marielle Arlei de Lourival Assucena contou que o projeto foi idealizado em 2017, quando constataram que o hospital Rocha Faria, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, era o único que realizava o procedimento. Na época, eles verificaram que todas as redes de saúde forneciam pouca ou nenhuma informação sobre os casos em que o serviço é garantido por lei. Na formulação do texto, a equipe identificou ainda que mulheres que conseguiam ter acesso ao procedimento encontravam um atendimento precário e, em certos casos, eram agredidas verbalmente e até privadas de comida. Caso fosse aprovado o projeto determinaria que toda a equipe médica, desde a recepção no hospital até a mesa de cirurgia, recebesse as pacientes sem qualquer forma de discriminação e constrangimento. Era previsto no texto que os profissionais da rede pública de saúde atuassem com o objetivo de acolher, ouvir e orientar as mulheres.  A lei incluiria ainda a afixação de cartazes com informações sobre os direitos da vítima após sofrer assédio sexual, como a garantia de atendimento gratuito no minuto seguinte da agressão e o acesso ao aborto se o ato resultasse em uma gravidez. DEBATE DENTRO DO PLENÁRIO O PL foi rejeitado por 32 votos e recebeu apoio de apenas oito parlamentares. Das dez mulheres com mandato, apenas quatro votaram a favor da pauta. De acordo com a vereadora Mônica Benício (PSOL) o debate em volta do tema foi o maior desafio na apresentação do texto. Ela relatou que, nos dias de discussão, os parlamentares que se opunham ao projeto convocavam as bases políticas para irem às sessões, em uma tentativa de constranger e pressionar aqueles que não tinham voto definido. – As sessões são em horários ingratos, geralmente, não há quórum. Mas, quando são discutidos temas de costumes, como foi no caso do atendimento humanizado ao aborto legal, as tribunas ficam cheias. O PL só visava criar uma base estrutural para um serviço que é sucateado e criminalizado mesmo quando previsto por lei. Mas, no dia da votação, as pessoas levaram crucifixos e nos chamaram de assassinos. O vereador Rogério Amorim, líder do Partido Liberal (PL) na Câmara Municipal do Rio, foi uma das principais lideranças no processo de derrubada do projeto e voz central da oposição às pautas identitárias. Ele afirmou ser contrário ao aborto e acredita que a maior parte das mulheres que realizam o procedimento pela via legal se arrepende depois. Para Rogério, o projeto usava da pauta de saúde para inflamar o debate sobre a legalização total do aborto. — A vida é o bem que nos foi dado por Deus e só ele pode tirar. O que eles queriam com esse projeto era embutir uma ideia favorável para crianças e jovens sobre o aborto. É o famoso projeto lobo em pele de cordeiro. Para Amorim, o número de mulheres que votaram contra a pauta é motivo de orgulho. Ele espera que, após as eleições deste ano, a Câmara fique muito mais conservadora para que seja cada vez mais difícil aprovar textos do tipo. ATENDIMENTO NOS DIAS ATUAIS A Secretaria Municipal de Saúde do Rio declarou que o serviço do aborto legal é realizado em todas as 11 maternidades controladas pela prefeitura. A SMS também afirmou que as equipes que realizam o procedimento contam com médico obstetra, enfermeira, psicóloga e assistente social para o acolhimento das mulheres vítimas de violência sexual, todos com experiência no tratamento humanizado. Mas para Arlei Assucena, mesmo que o cenário tenha evoluído, existem obstáculos que tornam o projeto de lei necessário. A aplicação do projeto significava a qualificação e sensibilização das pessoas que trabalham no serviço desde a porta de entrada até a saída. A estruturação iria além da equipe médica. – De 2017 para cá houve o aumento dos pontos de atendimento. Mas é preciso entender que o procedimento humanizado deve ir além da sala de operação. A primeira pessoa com quem a mulher terá contato não é um médico, mesmo assim ela deve ser atendida de forma sensível e com as informações que precisa. Para a defensora pública Flávia Nascimento, a mulher que busca realizar o aborto legal passa por obstáculos antes e durante a operação. Primeiro porque há a falta de informação e a má distribuição de polos de atendimento, que se concentram nos centros urbanos. E depois pela descriminação sofrida nas unidades, onde as denúncias de violência envolvem desde enfermeiros até profissionais de serviços gerais. Ela lamentou que o tema seja discutido de forma distorcida e que passe por progressos e retrocessos constantes. — As mulheres que buscam esse serviço estão vivendo situações dramáticas e quando são atendidas sofrem novamente. Podemos perceber que enquanto medidas para a defesa dos direitos da mulher avançam, crescem também ofensivas que atacam principalmente os direitos sexuais e reprodutivos. Nas últimas décadas a pauta foi capturada pelo discurso político. Esse é um dos assuntos mais explorados pelos conservadores. Entre avanços e retrocessos, o tabu que cerca o tema foi determinante para a derrubada do PL 16/17. De acordo com o vereador Rafael Aloisio Freitas (PSD) o problema principal do texto foi incluir a palavra “aborto”. Para ele, a proposta seria melhor recebida se tratasse apenas da saúde da mulher.

  • Tarifa Zero: entre a utopia e a possibilidade

    Entenda as visões de distintos setores da sociedade sobre a implementação de uma tarifa gratuita para os ônibus Por Maria Carolina Cassella Foto: Leon Rodrigues/SECOM/PMSP/Divulgação (O Globo) A falta de transparência, um marco de poder há décadas no sistema de ônibus, incertezas sobre o financiamento da gratuidade e problemas de infraestrutura são apenas algumas questões apontadas como desafios da implementação de uma política de Tarifa Zero. No estado do Rio de Janeiro, 10 cidades já vivenciam a realidade de uma política de tarifa gratuita. A cidade do Rio de Janeiro, por outro lado, ainda enfrenta resistências para a inserção dessa política de mobilidade no seu principal meio de transporte: os ônibus. Seriam cerca de 32 milhões de passageiros mensalmente beneficiados por essa política, predominantemente trabalhadores e estudantes. Hoje, a realidade é uma passagem no valor de R$4,30 para um serviço de baixa qualidade. Como resposta à ineficiência do setor de transportes, além de obras públicas como o Terminal Gentileza e a Nova Transoeste, a Câmara Municipal trouxe a implementação da política de Tarifa Zero na cidade para debate público em dezembro de 2023, por meio do projeto de Lei 2714/2023. O tema promete ser um dos principais a serem abordados em 2024, sobretudo, nas propostas apresentadas para as eleições municipais, em que serão escolhidos prefeito e vereadores. No entanto, o setor político, o setor empresarial e especialistas em engenharia de transportes apresentam visões distintas sobre diferentes aspectos para a implementação bem-sucedida do projeto. FALTA DE TRANSPARÊNCIA DIANTE DE UM MARCO DE PODER O ex-vereador do Rio de Janeiro - e atual deputado federal - Tarcísio Motta (PSOL) esteve envolvido no debate sobre transporte público na cidade por meio da CPI dos Ônibus, encerrada em Abril de 2018, para a qual formulou um relatório alternativo com recomendações políticas para a melhoria desse sistema. Para Tarcísio Motta, o principal desafio a ser superado com a instalação da CPI dos Ônibus era a falta de transparência no sistema de ônibus da cidade do Rio de Janeiro, que está, há décadas, sob o poder dos empresários vinculados à Fetranspor. Esses empresários teriam seus interesses muito defendidos em parlamentos, sobretudo na Câmara dos Vereadores, o que contribuía para a baixa qualidade do serviço de ônibus oferecido. “A CPI dos Ônibus criou uma compreensão da sociedade e do poder público de que era preciso fazer algo mais do que estava sendo feito até aquele momento” - disse o ex-vereador. Esse legado nos aproxima da implementação de uma política de Tarifa Zero. A criação de uma empresa pública de ônibus (MobiRio), a separação da bilhetagem eletrônica da operação e da licitação exclusiva do sistema e o congelamento da tarifa de ônibus entre os anos de 2017 e 2021 são algumas medidas que foram tomadas nos anos subsequentes à CPI, embora não haja afirmação pelos próprios políticos de que essas medidas foram influenciadas pelos relatórios produzidos “A CPI também foi importante porque a nossa grande questão era o fato de que ninguém sabia quanto custava o sistema de ônibus do Rio de Janeiro” - disse Tarcísio Motta. As medidas implementadas são um passo para essa transparência no sistema, uma vez que a disponibilidade de informações permite o debate sobre como seria possível financiar uma política pública como a Tarifa Zero. O deputado também acredita que a perspectiva social da Tarifa Zero é muito importante, afirmando que se deslocar pela cidade é uma necessidade inerente à nossa vida e ao combate à desigualdade. “A Tarifa Zero tem a capacidade de ampliar o ‘direito à cidade’, de modo que o valor da passagem deixe de ser um obstáculo para que o cidadão se desloque, se sentindo mais livre” - disse Tarcísio Motta. “A Tarifa Zero é um instrumento decisivo para o enfrentamento da desigualdade e a passagem de ônibus aprofunda essa desigualdade. Esse é um elemento imediato no cotidiano das pessoas” - confirmou o ex-vereador. “É errado que uma necessidade como o transporte fique nas costas do próprio trabalhador. Há toda uma engrenagem a justificar o rumo em direção à Tarifa Zero. Isso não será feito de uma hora para outra. É uma mudança essencial e estrutural na forma como a cidade se organiza hoje” - enfatizou. A Tarifa Zero retira esse custo para o trabalhador e, portanto, parte da desigualdade. Tarcísio Motta também acredita que é de extrema importância que a população não perca a esperança por um serviço de melhor qualidade e a Tarifa Zero tem um papel fundamental nesse resgate. “A Tarifa Zero gera empregos, gera liberdade e até segurança” - afirmou Motta. A gente precisa garantir que a população veja que existem outras pessoas enfrentando esses grupos poderosos, dispostos a quebrar esse marco de poder. O povo do Rio de Janeiro precisa acreditar que essa mudança é viável” - endossou o deputado federal. INCERTEZAS SOBRE O FINANCIAMENTO DA GRATUIDADE Paulo Valente, diretor do Rio Ônibus - Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio de Janeiro - afirmou que o setor empresarial enxerga a Tarifa Zero com bons olhos. “É uma relação, de fato, de ganha-ganha, só que existe uma conta a ser paga”. “O primeiro passo que tem que se dar é a vontade política de se implementar, mas ela sozinha não paga a conta” - disse. Valente alegou que, historicamente, a quantidade de passageiros pagantes vem diminuindo e os custos operacionais aumentando, cenário esse que teria se intensificado ainda mais após a pandemia. Os custos, segundo ele, são inviáveis para serem arcados somente com o preço das passagens de ônibus pela população. Em maio de 2022, após uma reunião entre o Ministério Público Estadual, a Prefeitura do Rio de Janeiro, concessionárias de ônibus e associações de passageiros, o governo assinou um acordo que proporcionou início ao pagamento de subsídios ao sistema de ônibus da cidade. “No Rio de Janeiro, custou a ter esse entendimento (do subsídio). Mas veio a pandemia, os ônibus tiveram que continuar rodando sem carregar praticamente ninguém, então, quem ia pagar o diesel, os salários? Ficou inviável e o sistema entrou em colapso, com várias empresas se fechando e outras em recuperação judicial.” - relata o diretor da Rio Ônibus Atualmente, o subsídio corresponde de 35% a 40% do custeio do sistema de ônibus do Rio de Janeiro e evita o repasse do custo para o usuário, melhorando o serviço. Para Paulo Valente, “a Tarifa Zero nada mais é do que levar a situação do subsídio à uma situação extrema, em que o poder concedente paga 100% da tarifa que tem que ser paga pelo usuário”. No entanto, o diretor da Rio Ônibus destaca que, do ponto de vista social, a Tarifa Zero é excelente, mas é preciso ter responsabilidade ao implementá-la. “É preciso se estudar de onde virá o dinheiro para pagar por esse sistema e verificar qual o impacto disso na mobilidade urbana porque hoje, se você der gratuidade só nos ônibus, a demanda vai aumentar e quem anda de trem, metrô ou VLT vai querer andar de ônibus” - alegou. Com a implementação da Tarifa Zero, uma nova forma de custeio tem que ser vista, mas a questão principal é pensar em pontos alternativos de recursos para pagar a passagem porque somente com o imposto pago hoje em dia, não é possível fechar a conta. “Você tem que começar a fazer uma bolsa de itens de arrecadação que te deem o valor necessário para custear esse novo modelo de Tarifa Zero” - endossou Valente. Quando perguntado sobre a não inserção do Rio de Janeiro nesse projeto e sobre os desafios de integrar a cidade com outras regiões, Paulo Valente destaca a ausência de uma autoridade: “Tinha que existir uma agência metropolitana que tratasse a questão do transporte e a regulasse para além dos governos, pensando na região metropolitana como um todo”. A mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro é, hoje em dia, uma das razões para o seu esvaziamento. Por isso, a implementação da Tarifa Zero, para a Rio Ônibus, não é mais uma questão de “se”, mas “quando?”. Dito isso, o setor empresarial destaca o cuidado que deve-se ter com a questão da mobilidade, com a sua parte financeira e a necessidade de uma discussão séria, que não deve ser usada apenas de modo político. TECNOLOGIA COMO SOLUÇÃO Para o professor Matheus Henrique de Souza Oliveira, da COPPE/UFRJ, será necessária a utilização da tecnologia para detectar e monitorar com precisão a quilometragem produzida, o cumprimento de viagens e a acessibilidade dada por essas viagens. “Tudo isso depende da tecnologia” – afirma o engenheiro de transportes. “É necessária uma metrificação precisa dos custos de transportes, no milímetro (para que o projeto de Tarifa Zero seja efetivado)”, o que envolve olhar para a estrutura de custos e para a estrutura de beneficiados. A estrutura de custos refere-se às tecnologias de rastreamento e monitoramento precisas e confiáveis para calcular efetivamente o que já foi feito no sistema de transporte público do Rio de Janeiro. Já a estrutura de beneficiados, diz respeito àqueles que se beneficiam do transporte público, para além do usuário. “Quem se beneficia do transporte público gratuito? É o usuário, mas também é a construtora imobiliária, que tem a sua unidade habitacional valorizada pelo novo sistema de transporte implementado. É o automobilista, que se beneficia com menos tempo de viagem, menos engarrafamento e até mesmo menos acidentes que, porventura, podem acontecer” - ressalta Matheus Henrique. A Lei de Mobilidade Urbana já cria bases para redirecionar os fluxos de investimentos de grupos que se beneficiam pelo transporte público, com fundos de investimentos em transportes. O que é arrecadado pode se voltar para a melhoria do transporte público e para a aplicação de inovações tecnológicas. Além disso, o professor da UFRJ acredita que as discussões que nos fizeram chegar até os dias de hoje – em que debatemos a Tarifa Zero – são oriundas de processos políticos dos anos 1990 e também de uma mudança de perspectiva do transporte público após as Jornadas de junho de 2013, movimento conhecido como “Não é por 20 centavos”. “Antigamente, o processo de reajuste econômico da tarifa era negociado anualmente com os operadores, com fórmulas de cálculos definidas que consideravam o IPCA, o valor do diesel, o aumento de salário e, assim, era reaplicado o reajuste” - afirmou. “Esse formato fluiu bem até o ano de 2013, em que se viu uma nítida mudança no perfil do usuário, principalmente com a inserção de estudantes, e o custo da tarifa começou a ser arcado em termos pessoas” - complementou. Para Oliveira, “A Tarifa Zero representa uma ruptura com o modelo de que, para funcionar, (o sistema de ônibus) tem que ser viável economicamente somente ao nível do usuário”. A Tarifa Zero também representaria, segundo ele, um passo na construção de cidades inteligentes, com a gratuidade tornando o transporte público mais sustentável. “Cidades inteligentes são cidades idealizadas como cidades que servem às necessidades do cidadão, com tecnologia embarcada para o usuário e na gestão pública” - afirma o professor. Diante desse cenário, Matheus Henrique acredita que existem dois caminhos possíveis para a implementação da Tarifa Zero. “Um caminho é o de discussão ampla sobre quem tem que pagar o transporte público, identificando quem se beneficia do transporte e redirecionando os fluxos financeiros dessas partes para o Fundo de Mobilidade Urbana.” - disse. “Esse é um caminho corajoso, que permite uma cidade Zero Emissões, Zero Tarifa e Zero Acidentes” - alega o especialista. “O outro caminho é o que o gestor público é o único responsável por implementar a Tarifa Zero. Nesse caminho, um dia a conta vai parar de fechar, os gastos serão enxugados e o transporte público ficará somente para aqueles que não conseguem acessar o transporte individual. As nossas cidades ficariam com várias pessoas sem conseguir se deslocar, ou fazendo isso em más condições, com mais perigo à saúde, mais acidentes e mais engarrafamento” - conclui. Passageiros do ônibus 693. (Foto: Lourrane Ribeiro/arquivo pessoal)

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