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Conservadorismo acima da saúde da mulher

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Atualizado: 19 de jun. de 2024


Projeto para atendimento sensibilizado em casos de aborto legal é rejeitado por aversão ao tema


Por Ana Tonelli e Luiz Eduardo de Castro



Assessoras se manifestam em sessão do dia 1° de março. Foto: Câmara/Reprodução


O voto conservador derrubou, em março, na Câmara Municipal do Rio, o PL 16/2017, apresentado pela então vereadora Marielle Franco (PSOL) para garantir o atendimento humanizado nos casos de aborto legal na cidade do Rio de Janeiro. Embora as mulheres tenham desde 1940, o direito de interromper a gravidez em casos decorrentes de estupro, quando há risco de vida e anencefalia fetal, o argumento não foi suficiente para superar o estigma e o tabu que cercam o tema.


O ex-assessor de Marielle Arlei de Lourival Assucena contou que o projeto foi idealizado em 2017, quando constataram que o hospital Rocha Faria, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, era o único que realizava o procedimento. Na época, eles verificaram que todas as redes de saúde forneciam pouca ou nenhuma informação sobre os casos em que o serviço é garantido por lei. Na formulação do texto, a equipe identificou ainda que mulheres que conseguiam ter acesso ao procedimento encontravam um atendimento precário e, em certos casos, eram agredidas verbalmente e até privadas de comida. 


Caso fosse aprovado o projeto determinaria que toda a equipe médica, desde a recepção no hospital até a mesa de cirurgia, recebesse as pacientes sem qualquer forma de discriminação e constrangimento. Era previsto no texto que os profissionais da rede pública de saúde atuassem com o objetivo de acolher, ouvir e orientar as mulheres.  A lei incluiria ainda a afixação de cartazes com informações sobre os direitos da vítima após sofrer assédio sexual, como a garantia de atendimento gratuito no minuto seguinte da agressão e o acesso ao aborto se o ato resultasse em uma gravidez. 


DEBATE DENTRO DO PLENÁRIO


O PL foi rejeitado por 32 votos e recebeu apoio de apenas oito parlamentares. Das dez mulheres com mandato, apenas quatro votaram a favor da pauta. De acordo com a vereadora Mônica Benício (PSOL) o debate em volta do tema foi o maior desafio na apresentação do texto. Ela relatou que, nos dias de discussão, os parlamentares que se opunham ao projeto convocavam as bases políticas para irem às sessões, em uma tentativa de constranger e pressionar aqueles que não tinham voto definido.


– As sessões são em horários ingratos, geralmente, não há quórum. Mas, quando são discutidos temas de costumes, como foi no caso do atendimento humanizado ao aborto legal, as tribunas ficam cheias. O PL só visava criar uma base estrutural para um serviço que é sucateado e criminalizado mesmo quando previsto por lei. Mas, no dia da votação, as pessoas levaram crucifixos e nos chamaram de assassinos.


O vereador Rogério Amorim, líder do Partido Liberal (PL) na Câmara Municipal do Rio, foi uma das principais lideranças no processo de derrubada do projeto e voz central da oposição às pautas identitárias. Ele afirmou ser contrário ao aborto e acredita que a maior parte das mulheres que realizam o procedimento pela via legal se arrepende depois. Para Rogério, o projeto usava da pauta de saúde para inflamar o debate sobre a legalização total do aborto. 


— A vida é o bem que nos foi dado por Deus e só ele pode tirar. O que eles queriam com esse projeto era embutir uma ideia favorável para crianças e jovens sobre o aborto. É o famoso projeto lobo em pele de cordeiro.


Para Amorim, o número de mulheres que votaram contra a pauta é motivo de orgulho. Ele espera que, após as eleições deste ano, a Câmara fique muito mais conservadora para que seja cada vez mais difícil aprovar textos do tipo.


ATENDIMENTO NOS DIAS ATUAIS


A Secretaria Municipal de Saúde do Rio declarou que o serviço do aborto legal é realizado em todas as 11 maternidades controladas pela prefeitura. A SMS também afirmou que as equipes que realizam o procedimento contam com médico obstetra, enfermeira, psicóloga e assistente social para o acolhimento das mulheres vítimas de violência sexual, todos com experiência no tratamento humanizado.


Mas para Arlei Assucena, mesmo que o cenário tenha evoluído, existem obstáculos que tornam o projeto de lei necessário. A aplicação do projeto significava a qualificação e sensibilização das pessoas que trabalham no serviço desde a porta de entrada até a saída. A estruturação iria além da equipe médica.


– De 2017 para cá houve o aumento dos pontos de atendimento. Mas é preciso entender que o procedimento humanizado deve ir além da sala de operação. A primeira pessoa com quem a mulher terá contato não é um médico, mesmo assim ela deve ser atendida de forma sensível e com as informações que precisa. 


Para a defensora pública Flávia Nascimento, a mulher que busca realizar o aborto legal passa por obstáculos antes e durante a operação. Primeiro porque há a falta de informação e a má distribuição de polos de atendimento, que se concentram nos centros urbanos. E depois pela descriminação sofrida nas unidades, onde as denúncias de violência envolvem desde enfermeiros até profissionais de serviços gerais. Ela lamentou que o tema seja discutido de forma distorcida e que passe por progressos e retrocessos constantes.


— As mulheres que buscam esse serviço estão vivendo situações dramáticas e quando são atendidas sofrem novamente. Podemos perceber que enquanto medidas para a defesa dos direitos da mulher avançam, crescem também ofensivas que atacam principalmente os direitos sexuais e reprodutivos. Nas últimas décadas a pauta foi capturada pelo discurso político. Esse é um dos assuntos mais explorados pelos conservadores.


Entre avanços e retrocessos, o tabu que cerca o tema foi determinante para a derrubada do PL 16/17. De acordo com o vereador Rafael Aloisio Freitas (PSD) o problema principal do texto foi incluir a palavra “aborto”. Para ele, a proposta seria melhor recebida se tratasse apenas da saúde da mulher.




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